quinta-feira, 10 de maio de 2012

FUNDAMENTOS DA SAÚDE, CAP. 1 CONCEITO DE SAÚDE E DE DOENÇA


Conceito de Saúde e de Doença
A preocupação com a saúde parece ser tão antiga quanto o surgimento da vida humana em nosso planeta, há milhares de anos.
                Apesar de se manter como uma preocupação constante entre todos os povos de qualquer época, definir saúde nunca foi fácil.
                O conceito de saúde, além de complexo, é bastante amplo e diversificado. Afinal, a saúde tem a ver com um organismo por natureza dinâmico e, portanto, sujeito a mudanças. E isso se deve, principalmente, à influência que o organismo sofre de inúmeros fatores externos, como o próprio momento histórico e as diferenças culturais existentes entre os povos.
                Apesar da complexidade e da amplitude desse conceito, observa-se que quando as pessoas refletem sobre questões relacionadas à saúde costumam abordar alguns pontos comuns.
                Um deles, por exemplos, diz respeito à existência de uma estreita relação entre a saúde e a capacidade de trabalhar, de estudar, de desfrutar de determinado lazer ou de conviver socialmente. Outro ponto comum é a referência feita à doença, que aparece na maioria das tentativas para definir o que é ter saúde. Quem já não ouviu falar, por exemplo, que saúde é a ausência de doença?

Binômio saúde-doença: desafio ao entendimento humano
                A busca das explicações ou dos motivos que levam as pessoas a adoecer tem sido, certamente, um dos maiores desafios enfrentados pelos homens ao longo de toda a História.
                Em tempos remotos era usada, predominantemente, a magia ou a feitiçaria para explicar os fenômenos do universo. Assim como em algumas comunidades primitivas do nosso tempo, existia a crença de que doenças e acidentes eram causados pela ira dos deuses ou por poderes espirituais.
                Para saber o motivo das doenças, bem como a melhor maneira de tratá-las, esses povos costumavam consultar os espíritos. Geralmente esse trabalho era de responsabilidade de uma única pessoa do grupo social, conhecida como pajé, sacerdote ou feiticeiro.
                Uma outra forma encontrada pelos homens para explicar a doença foi a chamada Teoria dos Miasmas.
                Segundo essa teoria, a má qualidade do ar que provém dos alagadiços, dos pântanos, das sujeiras acumuladas ou dos esgotos, resultante da decomposição de plantas e animais, seria a explicação mais correta para a ocorrência de uma série de doenças. Por isso, os miasmas foram considerados, durante muito tempo, um dos maiores inimigos da saúde.
                Explicações importantes acerca do binômio saúde-doença surgiram na Grécia, cerca de 400 anos a.C. Naquela época, um médico chamado Hipócrates, após muitos estudos e pesquisas, anunciou para o mundo novas e revolucionárias idéias sobre a questão da saúde. Contrariando o pensamento dos homens de seu tempo, ele afirmou que não se poderia mais continuar atribuindo a ocorrência de doenças a qualquer força sobrenatural, mas sim à ligação entre três elementos fundamentais.
                Para Hipócrates, a saúde resultava do equilíbrio existente entre o corpo, a mente e o meio ambiente. Seus estudos acerca desses três elementos trouxeram, sem dúvida alguma, grandes contribuições ao conhecimento biológico. Algumas de suas idéias, principalmente aquelas relativas à influência do meio ambiente sobre a vida do homem, esquecidas por longo tempo, começam a ser retomadas, conforme veremos mais adiante.
                O entendimento sobre as causas das doenças continuou desafiando a humanidade através das épocas, e novas explicações acerca do binômio saúde-doença nunca faltaram .
                Nesse sentido, merece destaque a concepção mecanicista do universo, do filosofo, físico e matemático francês René Descartes, que viveu no século XVII, e ainda hoje influencia nossa maneira de pensar em diferentes ramos de atividade.
                De acordo com essa concepção, o universo funcionaria como uma grande máquina e, para explicá-lo, bastaria compreender a organização e o funcionamento das partes que o compõem.
                Com base nesse principio geral, o corpo humano, tal como o mecanismo de um relógio, seria composto de peças – aparelhos, órgãos, tecidos, células – que operavam para manter em ordem uma grande engrenagem.
                A doença ocorreria, simplesmente, devido ao mau funcionamento de parte da máquina. Mas, na medida em que a peça defeituosa fosse reciclada ou trocada, o maquinismo voltaria, enfim, a operar plenamente, em perfeito equilíbrio. A morte, por sua vez, resultaria da total impossibilidade de conserto da máquina humana.
                No âmbito da concepção mecanicista, compreendia-se que mente e corpo eram absolutamente separados e distintos. Essa forma de entendimento, no campo da medicina, contribuiu para que durante longo tempo os médicos desconsiderassem a dimensão psicológica das doenças e os psicoterapeutas deixassem de se importar com o corpo dos clientes.
                Atualmente, não nos parece mais possível compreender certas doenças – alguns tipos de câncer, asma, hipertensão arterial – apenas sob a ótica mecanicista, uma vez que esta apresenta uma visão fragmentada da realidade e, por isso, não leva em conta o funcionamento global ou integral do corpo humano.
                De qualquer modo, as idéias de Descartes influenciaram fortemente o pensamento médico do nosso tempo. Assim, tanto a ciência quanto a tecnologia passaram a desenvolver sofisticados métodos de investigação, de conserto ou de retirada de partes do corpo humano para solucionar grande parte dos problemas apresentados pelo organismo.
                A utilização do microscópio, que permitiu a observação e o estudo dos micróbios, trouxe, no século XVIII, novos rumos para a investigação das doenças que afetavam os seres humanos. Através do trabalho realizado pelo cientista francês Louis Pasteur, que viveu entre 1822 e 1895, a microbiologia abriu um vasto campo de pesquisa, permitindo a identificação de micróbios causadores de doença através de exames de sangue, escarro, urina e fezes, dentre outros.
                Continuaram, no entanto, a existir muitas doenças cujas causas não podiam ser constatadas pelo microscópio e outros inventos, como, por exemplo, o aparelho de pressão e os raios X. Assim, explicar o binômio saúde-doença continuou sendo um grande desafio para a humanidade ao longo dos anos.

Saúde ou doença? Respostas do mundo moderno
                Finalmente, chegamos ao século XX, com um sem-número de sofisticados aparelhos para o diagnóstico das doenças. Entretanto, explicar o que é normal ou patológico em uma pessoa, numa determinada situação, continuou parecendo algo muito complicado.
                  No ano de 1947, a Organização Mundial da Saúde – OMS apresentou um conceito que veio a constituir, sem dúvida alguma, um avanço em relação ao pensamento mecanicista, defendido no século XVII.
A OMS é uma agência ligada à Organização das Nações Unidas – ONU, com a finalidade de elevar os padrões de saúde no planeta. Os países filiados – entre eles, o Brasil – se comprometeram a adotar e colocar em prática as normas e regulamentos sanitários estabelecidos pela entidade.
                Segundo a OMS, saúde é um completo estado de bem-estar físico, mental e social, não meramente a ausência de doença.
                Esse conceito, embora representasse a possibilidade de pensar a saúde sob outros aspectos, além do biológico, foi considerado amplo demais, e pouco concreto.
                Já nas décadas de 60 e 70, as discussões passaram a se concentrar mais nos componentes, ou fatores sociais que, de uma maneira ou outra, pudessem interferir, negativamente, no organismo do homem. E a grande pergunta que se fazia àquela época poderia ser traduzida da seguinte forma: a doença é essencialmente biológica ou social?
                A favor da tese de que a doença é também um fenômeno social, pesquisas realizadas nas três últimas décadas, em especial na América Latina, indicaram que a forma de adoecer, assim como os tipos de doença, variavam em função da diferença de renda e outros indicadores sociais (tipo de emprego, moradia, educação, etc.).
                Essas pesquisas puderam, ainda, constatar que as atividades desenvolvidas, principalmente no trabalho industrial, provocavam também enorme desgaste nas pessoas, causando sérios danos à saúde.
                Enfim, foram tantos e variados os fatores sociais apontados como responsáveis pelo adoecimento que, já por volta da década de 70, a saúde e a doença passaram a não ser mais uma questão ou problema exclusivo da área da saúde, mas de todos os setores da sociedade.
                Em 1978 a OMS organizou uma Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, na cidade de Alma-Ata, localizada na então União das Repúblicas Soviéticas (URSS). Nessa Conferência foram discutidas medidas que buscavam promover a saúde de todos os povos do mundo.
                Ainda que as propostas apresentadas por essa Conferência tenham sido recebidas com descrença por alguns, elas acabaram sendo vistas com bons olhos por grande parte da comunidade científica mundial. Aliás, foi a partir de Alma-Ata que o Brasil iniciou a realização de algumas Atividades Integradas de Saúde – AIS, na tentativa de poder cumprir os compromissos assumidos durante aquele evento.
                Em seguida a Alma-Ata, continuaram surgindo novas contribuições para o entendimento do organismo, como também das causas do adoecimento.
                Estudos recentes, mais precisamente da década de 80, propõem uma ampla revisão da concepção mecanicista do universo, abrindo perspectivas de novas modificações, tanto da nossa forma de entendimento do binômio saúde-doença quanto da própria prática médica.
                Esses estudos partem da idéia de que o organismo é um todo integrado, em que cada parte – órgão, tecido ou célula – constitui um sistema vivo complexo em perfeita harmonia com a mente e com o próprio meio ambiente.
                A partir desse principio, começa a consolidar-se uma visão holística da saúde, que considera saudável o organismo que mantém em equilíbrio três fatores interdependentes entre si: o individual, o social e o ecológico.
                E o adoecimento, nessa concepção, já não é mais visto como simples mau funcionamento do corpo (ou de parte dele), mas como uma conseqüência do desequilíbrio entre corpo, mente e ambiente físico e social. As doenças relacionadas ao nosso sistema imunológico parecem confirmar essa interpretação. Certos portadores do vírus da AIDS, por exemplo, podem passar até mais de dez anos sem manifestar os sintomas da doença, enquanto outros são logo atingidos pelos mais diversos sintomas.
                A interdependência existente entre os três fatores que intervêm na questão saúde-doença pode ser observada se acompanharmos o mecanismo de certas doenças. A gripe, por exemplo, resulta da exposição a um agente agressor originário do meio ambiente – o vírus. Mas a exposição ao vírus somente resulta em doença quando o indivíduo exposto se encontra em estado receptivo, o que depende de uma série de circunstâncias, dentre as quais as condições climáticas, a fadiga, o estresse, etc.
                Convém reafirmar que, embora tenhamos evoluído no que diz respeito à percepção do binômio saúde-doença, ainda não é fácil responder à pergunta: o que significa ser saudavel? Essa dificuldade se aplica não só para determinar o estado de saúde de uma única pessoa, mas também quando se deseja criar indicadores capazes de detectar as condições de saúde de muitos indivíduos, ou de grupos sociais.
                Os indicadores constituem importantes instrumentos para planejar e avaliar, com mais objetividade, uma determinada ação de saúde, porque eles fornecem aos profissionais informações sobre o que pode ser considerado normal ou patológico em uma pessoa, numa certa situação.
                Mas, no Brasil, analisar os indicadores de saúde tem sido um grande desafio. Nosso país, além de possuir dimensão continental, apresenta regiões com características muito diversas entre si. As doenças infecto-contagiosas, por exemplo, são as que causam maior número de óbitos na região norte, enquanto as doenças cardiovasculares são as maiores responsáveis pela morte das pessoas no sul e sudeste do País.

Saúde – direito de cidadania
                É a partir do século XX, especialmente nos dias de hoje, que podemos observar a valorização crescente da solidariedade e dos diretos humanos, em todos os seus aspectos, dentre elas a defesa da natureza, a busca da paz e de um tipo de desenvolvimento que preserve a própria vida em nosso planeta. Atualmente, tudo aquilo que possa interferir, negativamente, na qualidade de vida das pessoas tem sido motivo de grandes discussões. E não é só isso! As leis mais recentes já chegaram, até mesmo, a reconhecer a saúde como direito de cidadania.
                Diga-se, a propósito, que tal enfoque começou a ser mais amplamente discutido no Brasil a partir da 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada no ano de 1986.
                Assim, contando com um público formado por: representantes dos governos federal, estaduais e municipais; das empresas de equipamentos médicos e de medicamentos; dos produtores de serviços de saúde, além de usuários dos serviços, a 8ª Conferência Nacional Terminou por elaborar um conceito de saúde, vinculado diretamente ao direito de cidadania:
“... em seu sentido mais abrangente, a saúde é resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse de terra e acesso aos servidores de saúde. É assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida.”
Podemos entender, a partir desse conceito de 1986, que o direito à saúde pressupõe o atendimento às necessidades básicas tanto individuais quanto da coletividade, realizado mediante um conjunto de políticas governamentais voltadas para a promoção de uma melhor qualidade de vida para todos.
Além disso, o exercício da cidadania inclui não só atitudes de solidariedade para se buscar, em conjunto, a superação dos graves problemas existentes no País, mas também a capacidade de entender, criticamente, uma determinada situação e nela intervir, de forma responsável, a fim de modificá-la em benefício da coletividade.
Finalmente, é possível concluir que também cabe a nós, cidadãos, de acordo com as nossas possibilidades de participação, contribuir para o aprimoramento das formas de organização social do País, para evitar que elas venham a gerar grandes desigualdades nos níveis de vida, impedindo, conseqüentemente, o acesso de grande parte dos brasileiros ao seu legítimo direito à saúde.
Cidadania, portanto, exige esforço de participação e responsabilidade.

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