quinta-feira, 17 de maio de 2012

FUNDAMENTOS DA SAÚDE, CAP. 5 O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE


O Sistema Único de Saúde
                A década de 80 estava prestes a se encerrar, mas a agitação ainda se fazia presente no panorama nacional; os brasileiros continuavam comemorando a nova Constituição, mas ainda havia muito trabalho pela frente. Afinal de contas, o Sistema Único de Saúde só existia, até então, no papel. Necessitava, pois, ser regulamentado urgentemente para que a população pudesse, enfim, usufruir do direito à saúde, conforme havia sido prescrito na Constituição.
                À primeira vista, essa regulamentação já não parecia ser tão simples, porque se tratava de pôr em prática uma política de saúde tão inovadora quanto complexa, como é o Sistema Único de Saúde. De fato, iríamos levar cerca de dois anos até resolver grande parte das determinações constitucionais.
                Uma delas se referia à proposta de descentralização político-administrativa do SUS. Na prática, ela ordenava aos órgãos federais, ou seja, o Ministério da Saúde e o recém-extinto INAMPS, não só transferir poder como também oferecer condições aos governos estaduais e municipais para que pudessem, então, assumir a responsabilidade sobre todo o sistema de saúde nas respectivas áreas de autoridade.
                O objetivo dessa proposta seria, na verdade, o de promover a estadualização ou a municipalização dos serviços de saúde. Tal medida certamente viria facilitar tanto o controle social do sistema – a ser exercido também pelos próprios usuários, através dos Conselhos de Saúde – quanto a tomada de decisões, que aconteceria nos municípios e nos estados, e não mais no Ministério da Saúde, em Brasília.
                Passados quase dez anos desde a promulgação da Carta Magna, a estadualização ou a municipalização dos serviços de saúde é algo que ainda não aconteceu em todos os municípios do Brasil. Mas já ocorreu em muitos, principalmente nas capitais dos estados.
                Uma outra determinação constitucional também complexa é a que diz que o SUS é formado por um conjunto de unidades que prestam serviços de saúde, mantendo ligação entre elas como se fosse uma rede. Essas unidades são subordinadas umas às outras, isto é, têm uma hierarquia.
                Vamos, então, explicar um pouco melhor como deveria funcionar essa rede.
                Quando uma pessoa se sente ou deseja prevenir doenças ou, ainda, precisa de orientação para uma vida mais saudável, deve procurar primeiramente a chamada unidade básica do SUS, que pode ser o Posto ou o Centro de Saúde mais próximo de sua moradia ou trabalho. Mas, se os profissionais da unidade básica diagnosticarem que uma determinada doença tratável no Centro de Saúde, como a hipertensão arterial, está se mostrando incontrolável e exige atendimento especializado por um cardiologista, aquela pessoa imediatamente será encaminhada, pelo próprio Posto ou Centro de Saúde, para outra unidade, que pode ser um ambulatório, um Posto de Atendimento Médico – PAM – ou um hospital geral. Caso a pessoa venha, ainda, a necessitar de uma internação, seu encaminhamento se dará, por fim, a um hospital especializado, conforme a prescrição médica apresentada.
                Assim, podemos observar que a assistência a ser prestada às pessoas se fará não somente através de uma rede de unidades de serviços, mas também de acordo com a complexidade dos problemas diagnosticados, ou seja, do mais simples ao mais grave.
                Há, ainda, uma previsão de que a organização das unidades de saúde em rede venha a apresentar, também, variações em nível nacional, porque deve ser planejada de forma a atender às características de cada região do Brasil. E como as diferenças não são poucas, a tendência dessa rede é a de assumir certamente um aspecto regionalizado, portanto bem mais adequado às necessidades dos clientes.
                A essa altura, implantar o SUS nos moldes previstos pela Constituição não era mesmo tarefa das mais fáceis. Claramente, tratava-se de um grande desafio às autoridades do País, sobretudo no que diz respeito a pôr em prática um sem-número de outras atribuições, também conferidas ao Sistema Único de Saúde.
                O artigo 200 da Constituição, já mencionado no capítulo anterior, apresenta um rol de atribuições para o SUS. São elas:
·         Controlar e fiscalizar serviços e produtos de interesse para a saúde (também presente no Código do Consumidor) e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos (vacinas, soros), derivados do sangue, etc.;
·         Executar as ações de vigilância sanitária, epidemiológica e da saúde do trabalhador;
·         Ordenar a formação de recursos humanos na área da saúde;
·         Definir e executar as ações de saneamento básico;
·         Promover o desenvolvimento científico e tecnológico;
·         Controlar a qualidade dos alimentos e das bebidas, inclusive a água;
·         Controlar todas as etapas dos procedimentos que envolvem as substâncias e produtos psicoativos (medicamentos que possuem a capacidade de interferir no psiquismo, alterando o comportamento, a ansiedade, a depressão ou a agitação), tóxicos (como venenos) e radioativos (por exemplo, o césio, que provocou grave acidente em Goiânia);
·         Colaboras na proteção do meio ambiente e do ambiente do trabalho.
Depois de inúmeras e longas reuniões entre representantes do governo e dos diversos segmentos da sociedade, especialmente da área de saúde, finalmente o SUS foi regulamentado através de lei própria: a Lei Orgânica da Saúde – LOS, nº 8.080, de 19/09/1990.
Desde quando o SUS foi criado até agora, toda e qualquer ação ou serviço de saúde a ser prestado às pessoas deve seguir rigorosamente as regras determinadas pela LOS, que se aplicam não somente às unidades públicas como também ás particulares, como hospitais, clínicas, ambulatórios e profissionais liberais de variadas categorias – médicos, enfermeiros, psicólogos, técnicos e auxiliares.
Como você vai fazer parte de uma categoria profissional voltada para a saúde da população, vale a pena conhecer a LOS, pois todo profissional de saúde – seja ele empregado de uma unidade pública, de uma empresa particular, ou, ainda, trabalhador autônomo – tem a obrigação de conhecer as regras que definem a saúde como um direito do ser humano. Somente assim as ações e os serviços que promovem a saúde serão prestados com responsabilidade, competência e dignidade.
Como já dissemos anteriormente, os artigos iniciais da LOS têm a finalidade de reforçar as diretrizes anteriormente definidas na Constituição Federal de 1988. Além disso, apresentam ainda, com mais detalhes e maior precisão, o que foi definido no capítulo da Carta Magna relativo à Saúde: as atribuições de cada nível do governo na organização e no funcionamento do SUS, bem como os objetivos do próprio Sistema, voltados ao atendimento integral das necessidades de saúde das pessoas.
É interessante saber que em seu Artigo 5º, a LOS detalha os objetivos do Sistema Único de Saúde, a seguir relacionados:
·         Identificar e divulgar os fatores condicionantes e determinantes da saúde;
·         Formular política de saúde destinada a promover, nos campos econômicos e sociais, a redução dos riscos de doença e outros danos ao bem-estar físico, mental e social do indivíduo e da coletividade;
·         Prestar assistência às pessoas por meio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, integrando as medidas assistenciais com as preventivas.
Retomando nossa análise, encontramos nos artigos da LOS muitos conceitos importantes, tanto para os profissionais de saúde quanto para os usuários do SUS. A Vigilância Sanitária é um deles. E como você viu no capítulo que trata da qualidade de vida, a vigilância à saúde é um compromisso de cidadania. Por isso, temos não só o direito de conhecer as medidas de controle e monitoramento dos serviços e produtos estabelecidas pelos órgãos competentes como também o dever de zelar para que eles sejam, de fato, cumpridas ou respeitadas, a fim de resguardar a saúde da comunidade.
A LOS conceitua a Vigilância Sanitária como um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde. A partir da informação do conceito, foi possível não somente delinear as áreas sobre as quais a Vigilância Sanitária deveria atuar como também identificar uma série de fatores comprovadamente de risco, tanto para a saúde individual quanto para a coletividade. Nesse sentido, não podemos deixar de reconhecer que houve um avanço significativo na legislação da saúde, ao indicar os rumos que devem ser seguidos pelas políticas e suas respectivas ações de vigilância em nosso país.
Conheça algumas ações de responsabilidade da Vigilância Sanitária no que se refere à proteção da saúde dos indivíduos e da coletividade:
Promoção de condições adequadas de moradia e local de trabalho, no que se refere a fatores como temperatura, ruído, aeração, iluminação, etc. Um escritório com iluminação inadequada pode vir, por exemplo, a prejudicar a visão das pessoas que trabalham nesse ambiente;
Controle dos produtos alimentícios, cosméticos, saneantes e agrotóxicos quanto às condições de fabricação, embalagem, conservação, transporte, armazenagem, comercialização, etc. Um alimento enlatado pode ter sido contaminado no processo de fabricação e causar danos à saúde de quem o consumir;
Tratamento e controle de elementos como: água, lixo, resíduos industriais, por exemplo, e suas características físico-quimicas. Atenção! O lixo hospitalar deve ter regras próprias de acondicionamento e destruição, pois contém produtos perigosos à saúde;
Prestação de serviços como: fiscalização dos bancos de sangue, serviços de hemoterapia e hemodiálise, hospitais, consultórios, clínicas, serviços odontológicos, creches, laboratórios óticos, de prótese, serviços de fisioterapia, de estética e farmácias em relação aos procedimentos utilizados e às condições de prestação dos serviços. A utilização de sangue contaminado causa até hoje doenças nas pessoas que dele fazem uso, devido à não-realização de testes laboratoriais;
Fiscalização do transporte de produtos perigosos: fiscalização das empresas transportadoras quanto à observação das normas especiais de trânsito. Assim, muitos acidentes com carga inflamável, causados por transporte inadequado, poderiam ser evitados;
Fiscalização da circulação de produtos, pessoas e alimentos entre países, visando ao controle sanitário.
A transmissão de doenças por um portador sadio ilustra muito bem a importância de se combater os fatores de risco em suas origens, porque ele se mostra aparentemente saudável, não apresentando sequer um único sinal da doença, embora esteja contaminado por algum microrganismo patogênico. No entanto, o portador sadio pode transferir às outras pessoas, acidentalmente, germes, vírus e bactérias que, alojando-se em um organismo suscetível, terminam por provocar doenças. A cozinheira de uma creche, por exemplo, pode portar o bacilo da meningite e permanecer sem sintomas, mas pode contaminar as crianças.
Verificamos, assim, que a Vigilância Sanitária está muito próxima de nossa vida, quer de cidadão, quer de profissional da saúde.
Um outro conceito igualmente importante, que se encontra na Lei Orgânica  da Saúde, é o que diz respeito à Vigilância Epidemiológica, definida como o conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção e a prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças.
Diante desse conceito, não é difícil perceber, por exemplo, que a pesquisa de campo constitui o carro-chefe da Vigilância Epidemiológica. Por essa razão, as atividades a ela atribuídas se encontram diretamente voltadas para a coleta minuciosa de dados sobre:
·         Causas das doenças, causas dos óbitos e identificação dos grupos sociais mais atingidos;
·         Número de habitantes, inclusive por sexo e idade, e percentuais de habitantes na zona urbana e na zona rural;
·         Diagnóstico e tratamento das doenças.
Além disso, também compete à Vigilância Epidemiológica reunir e analisar os dados a fim de estabelecer o perfil epidemiológico da população investigada. É importante destacar, ainda que os estudos efetuados pela Vigilância Epidemiológica fornecem dados relevantes a serem considerados na formulação das políticas de saúde do País.
Outro conceito apresentado na LOS refere-se à Saúde do Trabalhador, definida como o conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e sanitária, à promoção e à proteção da saúde dos trabalhadores, assim como à recuperação e à reabilitação daqueles submetidos aos riscos e danos advindos das condições do próprio ofício.
A importância conferida à Saúde do Trabalhador estende às empresas o dever de garantir aos empregados o direito à saúde. Além disso, podemos também concluir que a LOS avança em direção ao reconhecimento de uma das antigas reivindicações dos trabalhadores, no que se refere à melhoria das condições de trabalho, sobretudo aquelas relacionadas à segurança. Nesse quesito, em especial, a LOS recomenda medidas necessárias ao controle eficaz sobre os fatores determinantes de saúde para reduzir não só o número de acidentes, mas também os riscos de contrair doenças produzidas, desencadeadas ou relacionadas ao exercício profissional, que se apresenta em níveis bastante significativos no Brasil até hoje.
A LOS trata ainda de muitas outras questões igualmente importantes. É ela que norteia as políticas de formação e qualificação de recursos humanos para a área de saúde – sobretudo daqueles destinados a atuar diretamente no Sistema.
Finalmente, cabe registrar que a LOS inicial, ou seja, a de nº 8.080, de 19/09/1990, terminou sofrendo vários vetos, que atingiram especialmente os artigos relacionados à participação da comunidade no controle social do SUS, bem como os relativos ao repasse direto dos recursos do governo Federal para os demais níveis do Poder Executivo. Assim, foi editada uma outra Lei Orgânica da Saúde, a de nº 8.142, de 28/12/1990. Portanto, o SUS é regulamentado por duas leis: a de nº 8.080 e a de nº 8.142, ambas de 1990.
Apesar dos vetos, a última forma da lei terminou garantindo a participação da população nos Conselhos de Saúde estaduais e municipais, através de representantes de associações, sindicatos, etc. Além disso, criou também as Conferências Nacionais de Saúde.
Assim, de acordo com os termos legais, os Conselhos de Saúde passam a ter um funcionamento permanente, exercendo também o poder de decisão. Neles os usuários participam em igualdade de condições com os demais segmentos que compõem o Conselho, ou seja, os representantes do governo, dos prestadores de serviços e dos profissionais da saúde. Enfim, pretende-se que a partir dessa atuação conjunta venham a ser formuladas as estratégias de funcionamento e controle da execução da política de saúde sob a responsabilidade do SUS, até mesmo em seus aspectos econômicos e financeiros.
Já a Conferência Nacional de Saúde, com realização prevista de quatro em quatro anos, representa um evento de significativa importância, pois reúne os membros dos Conselhos para promover uma avaliação global da situação de saúde e, ainda, definir as diretrizes norteadoras das políticas a serem adotadas tanto em nível federal quanto estadual ou municipal.
Em linhas gerais, podemos concluir que a LOS apresenta uma visão ampla e bem dimensionada acerca das ações prioritárias a serem realizadas pelo SUS para que esta possa cumprir, enfim, seu papel de promover o atendimento integral à saúde da população brasileira.
É bom saber que existe, hoje, uma legislação que autoriza os brasileiros, em geral, a exercer o controle sobre o SUS. No entanto, por si só ela não garante ao cidadão o direito de participar dessa empreitada.
Um primeiro passo a ser dado rumo à participação é o conhecimento das determinações legais já existentes e que, por razões óbvias, dizem respeito à nossa própria vida. Mas, daí para a frente, surge a consciência ou a vontade política de querer ocupar, espontânea e persistentemente, o espaço recém-conquistado. Trata-se, sim, de uma conquista, porque a sociedade, especialmente na década de 80, se organizou para reivindicar e pôde, assim, avançar um pouco mais em sua jornada histórica em busca de seus direitos.
Agora é a nossa vez de dar continuidade a essa história, como cidadãos ou como futuros profissionais da saúde, se desejarmos permanecer exercendo nosso direito à saúde visando à qualidade de vida do povo brasileiro. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário